quarta-feira, 1 de maio de 2013

'Manterei as reflexões sobre a moral sexual', diz padre excomungado





Padre Beto fez primeira edição de programa de rádio após deixar a batina.
Ouvintes questionaram a atitude da Igreja durante transmissão em Bauru.

Alan Schneider Do G1 Bauru e Marília
Padre Beto realizou seu primeiro programa na rádio pós-excomunhão (Foto: Alan Schneider / G1)Padre Beto realizou seu primeiro programa na rádio pós-excomunhão (Foto: Alan Schneider / G1)
Roberto Francisco Daniel, conhecido como padre Beto, realizou o seu primeiro programa em Bauru (SP) na rádio Auri Verde depois de ser excomungado na última segunda-feira (29). ‘Espaço Aberto’ foi ao ar ao vivo a partir das 23h de terça-feira (30). Durante duas horas o assunto da excomunhão foi discutido entre os ouvintes e o padre Beto.
A polêmica envolvendo o religioso começou em 23 de abril, quando a Diocese de Bauru divulgou uma nota em que pedia a retratação do padre por causa de vídeos e comentários publicados por ele nas redes sociais em que, segundo a Diocese, o padre ia de encontro às doutrinas da Igreja Católica. Quatro dias depois, o religioso anunciou que deixaria de exercer suas funções como padre. Mesmo após a renúncia do padre, na segunda-feira (29) a Diocese comunicou a excomunhão dele.
Pouco antes de entrar no estúdio, ele concedeu uma entrevista exclusiva ao G1 e falou sobre sua rotina a partir de agora.  "No momento vou continuar sendo teólogo, além de professor, que continua a refletir sobre Deus, a fé e a nossa realidade. Tentar contribuir. E, agora, mais do que nunca manterei as reflexões sobre a moral sexual. Não dentro da igreja, mas sim na sociedade. O que está me tirando da igreja não é a vontade de me casar, de ter uma outra vida.”

Para o padre excomungado, a atitude da igreja foi totalmente radical e precipitada. “Acho que as declarações ainda vão gerar muitos problemas para a Diocese de Bauru. O Papa Francisco até agora não me excomungou”, disse.
Após deixar a batina, ele continua dando aulas em universidades e escolas de Bauru e irá manter o programa de rádio, que é aberto a participação dos ouvintes. Na noite de terça-feira, ele começou o programa às 23h e, um minuto depois, os telefones começaram a tocar. “Você pode participar para conversar conosco o tema que você quiser.” Essa foi a primeira frase do apresentador Beto. No entanto, o único assunto durante duas horas foi a excomunhão. Várias pessoas ligaram para desabafar e expressar a revolta com a atitude tomada pela igreja católica de Bauru. Nenhum participante foi contra a postura do padre Beto, mas sim, com a decisão da Cúria Diocesana.
Estudei em uma universidade, fiz o meu doutorado. Pra quê? Para contribuir para reflexão e não chegar aqui e, simplesmente, obedecer as coisas"
Padre Beto
Para uma ouvinte, padre Beto questionou a Igreja. “Não sei porque a igreja me enviou para a Alemanha. Ralei e estudei bastante lá, me esforcei para estudar em alemão. Estudei em uma universidade estadual, fiz o meu doutorado. Pra quê? Para contribuir para uma reflexão e não chegar aqui e, simplesmente, obedecer as coisas.”
Em outra ligação, a ouvinte diz que os fiéis vão começar a se afastar da igreja. Padre Beto concorda. “Infelizmente, sim. E dentro da igreja a gente vê coisas graves acontecerem e a excomunhão não ser exercida. Quem tem alguma coisa a temer não coloca naturalmente a cara a bater.”
Outra ouvinte também chegou a dizer que já existe um movimento de protesto contra a decisão da igreja católica de Bauru de excomungar o Padre Beto. Nas redes sociais, fiéis e simpatizantes estão prevendo uma manifestação na manhã do próximo sábado, em frente à Catedral do Divino Espírito Santo, na Praça Rui Barbosa, no centro da cidade. Inclusive, já existe um abaixo-assinado.
“Essa é uma decisão de vocês e eu não posso influenciá-lo em nada. Só peço para vocês o seguinte: independente da Igreja Católica, se fixe no Cristo como modelo de vida”, comenta o Padre.
Defesa da reflexão
Segundo Padre Beto, a incompatibilidade de ideias dele com a igreja foi o único motivo de seu desligamento. “Desejo um dia que nós cheguemos a uma sociedade em que eu não precise chamar alguém de gay, de bissexual ou de negro. Desejo que todos nos chamemos de seres sexuados e que cada um possa viver sua sexualidade da maneira como desejar e como é de acordo com a sua tendência. Desde que seja feito com respeito, entre adultos, entre pessoas que estão ali porque querem em um momento íntimo de amor.”
Sobre as declarações polêmicas publicadas em redes sociais sobre homossexualidade, fidelidade e necessidade de mudanças na estrutura da Igreja Católica,  ele comentou o fato de alguns vídeos terem sido gravados em um bar, em um momento de descontração quando todos os envolvidos consumiam bebidas alcoólicas. O local das gravações também foi alvo de críticas à postura dele. “Desde que cheguei ao Brasil em 2001, eu vivo uma vida com as pessoas. Sempre foi costume meu para arejar a cabeça tomar um chopinho, até mesmo ler um livro. Observo as pessoas, o comportamento delas. Isso faz parte do meu cotidiano. Se você entrar no meu perfil na rede social, na foto atual eu estou no Empório 66, tomando uma cerveja. Agora, as pessoas podem se escandalizar com isso se elas não leem os evangelhos. O Cristo foi uma pessoa que foi criticada pelos fariseus, que eram os religiosos da época, de comilão e beberão. Ele ia às festas, aos lugares onde as pessoas se reuniam. Seu primeiro milagre foi transformar a água em vinho e não vinho em água. E a pedido de Maria ainda por cima. E isso pra quê? Para que a festa não acabasse e não fosse um constrangimento para a família.”
A excomunhão me proíbe de receber o sacramento e não sou mais católico. Mas vou continuar pisando na igreja com maior liberdade, fazendo as minhas orações."
Padre Beto
O sentimento que deixa o altar é de reconhecimento dos fiéis. “Senti na população, nos fiéis, uma confiança muito grande na gente, principalmente, em relação à postura que eu tomei. Na minha coerência. Não chegou ninguém pra mim dizendo que ‘pena que o senhor tomou essa decisão’, ‘se o senhor tivesse voltado atrás não acreditaria mais no senhor’. A minha atitude foi recebida com muito mais credibilidade com que eu tinha. Senti nas últimas duas celebrações uma tristeza do povo porque não vamos mais celebrar juntos. E ao mesmo tempo, um certo orgulho”, acredita.
Mesmo excomungado, ele diz que pretende voltar a entrar na igreja. “Eu vou voltar a pisar na igreja, sim. A excomunhão me proíbe de receber o sacramento e não sou mais católico. Mas vou continuar pisando na igreja com maior liberdade, fazendo as minhas orações e, claro, acredito que Deus está em qualquer lugar. E nunca me senti tão tranquilo nessa fase da minha vida. É muito triste isso. Até mesmo porque já existem casos comprovados, julgados na Justiça penal de pedofilia, por exemplo, que é um crime, e essas pessoas não são excomungadas. Agora, uma pessoa que levanta uma reflexão e quer que as pessoas amadureçam, essa pessoa é excomungada. É uma instituição que não respeita a liberdade de expressão”.  Já em relação à possibilidade de fundar uma igreja ou ser candidato a deputado nas próximas eleições, ele descartou. “No momento não passa pela minha cabeça", afirma.
No tribunal
O padre anunciou o seu desligamento da Igreja no sábado (27). Ele conta que quando foi entregar a carta com o pedido na Cúria na segunda-feira (29) havia um tribunal eclesiástico montado. “Soube da excomunhão na Cúria. Fui entregar a carta de desligamento da igreja. O bispo me recebeu e me conduziu a uma sala. De repente, ele abriu a porta da sala e tinha um tribunal eclesiástico montado. Ele me mostrou uma cadeira vazia. Tinha um senhor especialista em direito canônico, no caso, o juiz do tribunal, e cinco ou seis padres da cúpula da igreja diocesana. O bispo pediu para eu me sentar, eu sentei. E ele se retirou porque acharam melhor ele não ficar. Daí o senhor começou a falar que estava ali para dialogar. Eu disse: olha, não vim aqui para dialogar. Vim só para entregar a carta de desligamento."
Padre afirma que atitude da igreja foi totalmente radical e precipitada (Foto: Alan Schneider / G1)Padre afirma que atitude da igreja foi totalmente
radical e precipitada (Foto: Alan Schneider / G1)
Ainda na Cúria, padre Beto afirmou que se sentiu incomodado de a igreja excomungá-lo. “Eu disse: espera ai, isso aqui é um tribunal? Eu perguntei se estava sentado no banco dos réus. Levantei e disse que me recusava a sentar na cadeira de réu. Não fui intimado para processo nenhum. Não fui avisado que estaria em um tribunal, não trouxe nenhum advogado para me defender e não me sinto réu. Então, não vou ficar aqui nem três minutos. Podem me excomungar, podem me mandar para o inferno. Isso não vai fazer diferença nenhuma na minha vida. E me retirei. Então, fiquei sabendo dessa forma."
Padre Beto também afirmou que percebeu uma indiferença da Igreja com a notícia da excomunhão. “Graças a Deus não existe mais a fogueira. Houve épocas em que a pessoa que a igreja declarava excomungada como herege era executada. Hoje, graças a Deus isso não acontece. Fiquei triste pela igreja porque em pleno século 21 você usar de uma determinação com uma excomunhão é mostrar que a igreja ainda é arcaica.

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