Publicado em 19 de julho de 2011
Os atores Eriberto Leão e Hermila Guedes vivem integrantes da quadrilha que furta R$ 160 milhões do Banco. A dupla vive um romance impossível no longa-metragem, dirigido por Marcos Paulo
A quadrilha em ação na sequência de escavação do túnel que levou os bandidos ao cofre: cenas trazem de volta a engenhosidade do furto
Com estreia em todo o País programada para sexta-feira, o filme "Assalto ao Banco Central" ficcionaliza eventos em torno do maior furto bancário do País, que aconteceu em Fortaleza, em 2005. O longa-metragem derrapa ao embarcar em clichês das histórias policiais
Uma grande história desperdiçada. Infelizmente é esse o resultado do filme "Assalto ao Banco Central", estreia do ator e diretor de TV Marcos Paulo como cineasta. O filme entra na disputa por espectadores durante o concorrido período das férias de julho. Mas, do começo ao fim, bons personagens e uma trama intrigante são engolidos por escolhas ruins para a condução do longa.
O crime verdadeiro aconteceu há seis anos, quando um grupo de pessoas orquestrou o inimaginável furto de mais de R$ 160 milhões dos cofres da agência do BC em Fortaleza, por meio de um túnel de 80 metros. Essa proposta, bem como os personagens principais da história, são apresentados de maneira competente logo nas primeiras cenas do filme, por meio de bons diálogos e tomadas rápidas. Esse é, aliás, o único momento em que a formação televisiva de Marcos Paulo influencia o longa positivamente. A partir daí, o caricato predomina de tal maneira que a película se torna constrangedora. A começar pela trilha sonora, absurdamente clichê: tem a "música agitada" para os carros em fuga; a "música celestial" do personagem evangélico; a "música tensa" quando aparece, pela primeira vez, o líder da quadrilha.
Algumas atuações também sucumbem à construção estereotipada dos personagens. Eriberto Leão até cumpre seu dever na pelo de Mineiro, bandido jovem, com certa bagagem de estudo e bonito o suficiente para dar conta das ações de fachada da quadrilha. Mas não convence como segundo líder, que precisa garantir a união do grupo; tampouco como homem que deseja a mulher do patrão.
O mesmo acontece com Hermila Guedes, que interpreta Carla, mulher do Barão, mentor do crime. Seu talento incontestável se desfaz em trejeitos de ex-prostituta - o andar forçosamente rebolado, o chiclete mascado com força. Seu tesão por Mineiro não transparece, tampouco se explica a história vivida pelos dois no passado.
Outro gigante mal aproveitado é Lima Duarte, cujo personagem Chico Amorim, delegado da Polícia Federal prestes a se aposentar: um clichê ambulante. Se palavrões e fala rude fossem suficientes para convencer o público, não seriam necessárias falas didáticas como "sou da velha guarda" e "meu faro não me engana".
Sua parceira, a investigadora Telma Monteiro (Giulia Gam), deveria representar o outro lado - a nova geração da polícia, que conta com desenvolvidas tecnologias para solucionar crimes. Mas os tais recursos modernos não aparecem (a não ser que coleta de digitais seja considerado inovador).
E, novamente, a construção caricata do personagem faz tudo desandar. O jeito forçosamente durão de Telma torna a personagem inverossímil (as cenas em que ela rende o bandido Tatu e que percorre o túnel são risíveis, parecem saídas diretamente de séries policiais setentistas, como "Starsky & Hutch").
A exceção fica por conta de Milhem Cortaz, que entrega um Barão na medida certa - calmo e calculista, mas perverso quando julga necessário. A fala monocórdica de Cortaz tinha tudo para ser monótona, mas vai justamente na direção oposta. Revela toda a frieza e a autoridade de um bandido experiente. Destaque ainda para a atuação honesta de Gero Camilo, como Tatu, criminoso especialista em cavar buracos.
Tropeços
Quanto ao enredo, os melhores momentos ficam por conta da reprodução da atuação dos bandidos ao executarem o túnel. Toda a engenharia envolvida, a logística para se livrar da areia e para transportar os sacos de dinheiro voltam a impressionar.
Já a opção por alternar cronologicamente as ações dos bandidos e das posteriores investigações não gera o impacto necessário. A trama não chega a gerar suspense, tensão, sequer nas cenas de interrogação dos suspeitos. Pelo contrário: após o roubo, quando os integrantes da quadrilha começam a se desentender e a polícia, a desmantelar a operação, a história perde o timming e termina arrastada.
Nesse cenário desalentador, o final surge como uma solução interessante, dentre todas as doses de ficção que compõem o filme. Um desfecho até digno após tantos tropeços.
ENTREVISTA
"Essa história mobilizou o Brasil e suscita curiosidade nas pessoas"
Quando surgiu a ideia de escrever sobre o crime?
Vi nos jornais, como todo mundo. E, provavelmente, como todos os roteiristas que conheço, pensei: "caramba! Isso dá um filme bom". Só que é só mais uma dessas ideias que podem se concretizar ou não. O estalo de verdade veio do Marcos Paulo, que, na época, filmava "Se eu fosse você 2". Ele levou a ideia para a Walkiria Barbosa, produtora do filme, que me chamou. Claro que topei, animado. A história, por si só, é sensacional. Não fosse baseada em fatos reais, iam dizer que era irreal, hollywoodiana demais para um filme brasileiro.
Quanto tempo demorou o trabalho no roteiro? Como foi transformá-lo em livro (Editora Agir, 220 páginas, R$ 29,90)?
O roteiro levou um ano inteiro, desde a pesquisa, a organização dos fatos... Muita coisa saiu, ou teríamos um "Senhor dos Anéis" em questão de duração. O livro é o roteiro romantizado, decorrência natural do processo. Era uma história que, para ser bem contada, necessitaria de um filme de cinco horas, uma minissérie. O livro dá possibilidade de contar a história de forma mais completa.
Em que consistiu a pesquisa?
Começou com a apuração dos fatos, procurando tudo o que foi publicado desde o dia seguinte do assalto, cruzando informações contraditórias. Não tive um contato direto com ninguém. Falei com a Polícia Federal e o Banco Central, depois que o roteiro estava escrito, para garantir que a história estava o mais fiel possível aos fatos.
Quais as principais diferenças entre livro e filme?
Acho que a principal diferença é que, no livro, há uma tridimensionalidade maior dos personagens, que não puderam ser muito explorados no filme.
O ex-policial civil de São Paulo Roger Franchini escreveu "Toupeira - A História do assalto ao Banco Central". Você leu?
Ouvi falar, mas não o li. Não queria ver a interpretação dos fatos por outra pessoa, para não me deixar influenciar.
Algum nome na literatura policial o inspirou durante o trabalho de criação do livro e do roteiro do filme? Quais?
Na literatura, não. Mas Tarantino foi uma forte referência, principalmente na montagem não linear do roteiro. A história começa no assalto, depois vai para antes do assalto, daí corta para depois do assalto, a polícia investigando. Fica nesse vai e volta.
Como é criar uma obra de ficção em cima de um fato real?
Essa história mobilizou o Brasil e, até hoje, suscita grande curiosidade nas pessoas. Era importante ser o mais fiel possível aos fatos e contar a história da melhor maneira. Há uma preocupação em criar bons personagens, desenvolver bem a trama e visualizar boas cenas. Mesmo porque, de certo modo, tudo que eu escrevo é baseado na minha realidade. Mesmo numa história fantástica, como "Se eu Fosse Você". Como você conta isso é ficção.
Quase seis anos depois, ainda há toneladas de processos em andamento. Neste caso, crime compensou?
Compensou para nós, que ganhamos uma história sensacional para um filme. Para os bandidos, não sei.
Renê Belmonte*Roteirista do filme e um dos autores do livro "Assalto ao Banco Central"
MAIS INFORMAÇÕES
Assalto Ao banco Central (Brasil, 2011). De Marcos Paulo. Estreia sexta-feira. Cinemas e horários no caderno Zoeira.
ADRIANA MARTINSREPÓRTER
Uma grande história desperdiçada. Infelizmente é esse o resultado do filme "Assalto ao Banco Central", estreia do ator e diretor de TV Marcos Paulo como cineasta. O filme entra na disputa por espectadores durante o concorrido período das férias de julho. Mas, do começo ao fim, bons personagens e uma trama intrigante são engolidos por escolhas ruins para a condução do longa.
O crime verdadeiro aconteceu há seis anos, quando um grupo de pessoas orquestrou o inimaginável furto de mais de R$ 160 milhões dos cofres da agência do BC em Fortaleza, por meio de um túnel de 80 metros. Essa proposta, bem como os personagens principais da história, são apresentados de maneira competente logo nas primeiras cenas do filme, por meio de bons diálogos e tomadas rápidas. Esse é, aliás, o único momento em que a formação televisiva de Marcos Paulo influencia o longa positivamente. A partir daí, o caricato predomina de tal maneira que a película se torna constrangedora. A começar pela trilha sonora, absurdamente clichê: tem a "música agitada" para os carros em fuga; a "música celestial" do personagem evangélico; a "música tensa" quando aparece, pela primeira vez, o líder da quadrilha.
Algumas atuações também sucumbem à construção estereotipada dos personagens. Eriberto Leão até cumpre seu dever na pelo de Mineiro, bandido jovem, com certa bagagem de estudo e bonito o suficiente para dar conta das ações de fachada da quadrilha. Mas não convence como segundo líder, que precisa garantir a união do grupo; tampouco como homem que deseja a mulher do patrão.
O mesmo acontece com Hermila Guedes, que interpreta Carla, mulher do Barão, mentor do crime. Seu talento incontestável se desfaz em trejeitos de ex-prostituta - o andar forçosamente rebolado, o chiclete mascado com força. Seu tesão por Mineiro não transparece, tampouco se explica a história vivida pelos dois no passado.
Outro gigante mal aproveitado é Lima Duarte, cujo personagem Chico Amorim, delegado da Polícia Federal prestes a se aposentar: um clichê ambulante. Se palavrões e fala rude fossem suficientes para convencer o público, não seriam necessárias falas didáticas como "sou da velha guarda" e "meu faro não me engana".
Sua parceira, a investigadora Telma Monteiro (Giulia Gam), deveria representar o outro lado - a nova geração da polícia, que conta com desenvolvidas tecnologias para solucionar crimes. Mas os tais recursos modernos não aparecem (a não ser que coleta de digitais seja considerado inovador).
E, novamente, a construção caricata do personagem faz tudo desandar. O jeito forçosamente durão de Telma torna a personagem inverossímil (as cenas em que ela rende o bandido Tatu e que percorre o túnel são risíveis, parecem saídas diretamente de séries policiais setentistas, como "Starsky & Hutch").
A exceção fica por conta de Milhem Cortaz, que entrega um Barão na medida certa - calmo e calculista, mas perverso quando julga necessário. A fala monocórdica de Cortaz tinha tudo para ser monótona, mas vai justamente na direção oposta. Revela toda a frieza e a autoridade de um bandido experiente. Destaque ainda para a atuação honesta de Gero Camilo, como Tatu, criminoso especialista em cavar buracos.
Tropeços
Quanto ao enredo, os melhores momentos ficam por conta da reprodução da atuação dos bandidos ao executarem o túnel. Toda a engenharia envolvida, a logística para se livrar da areia e para transportar os sacos de dinheiro voltam a impressionar.
Já a opção por alternar cronologicamente as ações dos bandidos e das posteriores investigações não gera o impacto necessário. A trama não chega a gerar suspense, tensão, sequer nas cenas de interrogação dos suspeitos. Pelo contrário: após o roubo, quando os integrantes da quadrilha começam a se desentender e a polícia, a desmantelar a operação, a história perde o timming e termina arrastada.
Nesse cenário desalentador, o final surge como uma solução interessante, dentre todas as doses de ficção que compõem o filme. Um desfecho até digno após tantos tropeços.
ENTREVISTA
"Essa história mobilizou o Brasil e suscita curiosidade nas pessoas"
Quando surgiu a ideia de escrever sobre o crime?
Vi nos jornais, como todo mundo. E, provavelmente, como todos os roteiristas que conheço, pensei: "caramba! Isso dá um filme bom". Só que é só mais uma dessas ideias que podem se concretizar ou não. O estalo de verdade veio do Marcos Paulo, que, na época, filmava "Se eu fosse você 2". Ele levou a ideia para a Walkiria Barbosa, produtora do filme, que me chamou. Claro que topei, animado. A história, por si só, é sensacional. Não fosse baseada em fatos reais, iam dizer que era irreal, hollywoodiana demais para um filme brasileiro.
Quanto tempo demorou o trabalho no roteiro? Como foi transformá-lo em livro (Editora Agir, 220 páginas, R$ 29,90)?
O roteiro levou um ano inteiro, desde a pesquisa, a organização dos fatos... Muita coisa saiu, ou teríamos um "Senhor dos Anéis" em questão de duração. O livro é o roteiro romantizado, decorrência natural do processo. Era uma história que, para ser bem contada, necessitaria de um filme de cinco horas, uma minissérie. O livro dá possibilidade de contar a história de forma mais completa.
Em que consistiu a pesquisa?
Começou com a apuração dos fatos, procurando tudo o que foi publicado desde o dia seguinte do assalto, cruzando informações contraditórias. Não tive um contato direto com ninguém. Falei com a Polícia Federal e o Banco Central, depois que o roteiro estava escrito, para garantir que a história estava o mais fiel possível aos fatos.
Quais as principais diferenças entre livro e filme?
Acho que a principal diferença é que, no livro, há uma tridimensionalidade maior dos personagens, que não puderam ser muito explorados no filme.
O ex-policial civil de São Paulo Roger Franchini escreveu "Toupeira - A História do assalto ao Banco Central". Você leu?
Ouvi falar, mas não o li. Não queria ver a interpretação dos fatos por outra pessoa, para não me deixar influenciar.
Algum nome na literatura policial o inspirou durante o trabalho de criação do livro e do roteiro do filme? Quais?
Na literatura, não. Mas Tarantino foi uma forte referência, principalmente na montagem não linear do roteiro. A história começa no assalto, depois vai para antes do assalto, daí corta para depois do assalto, a polícia investigando. Fica nesse vai e volta.
Como é criar uma obra de ficção em cima de um fato real?
Essa história mobilizou o Brasil e, até hoje, suscita grande curiosidade nas pessoas. Era importante ser o mais fiel possível aos fatos e contar a história da melhor maneira. Há uma preocupação em criar bons personagens, desenvolver bem a trama e visualizar boas cenas. Mesmo porque, de certo modo, tudo que eu escrevo é baseado na minha realidade. Mesmo numa história fantástica, como "Se eu Fosse Você". Como você conta isso é ficção.
Quase seis anos depois, ainda há toneladas de processos em andamento. Neste caso, crime compensou?
Compensou para nós, que ganhamos uma história sensacional para um filme. Para os bandidos, não sei.
Renê Belmonte*Roteirista do filme e um dos autores do livro "Assalto ao Banco Central"
MAIS INFORMAÇÕES
Assalto Ao banco Central (Brasil, 2011). De Marcos Paulo. Estreia sexta-feira. Cinemas e horários no caderno Zoeira.
ADRIANA MARTINSREPÓRTER