Pagando valor mínimo de faturas, ela vive 'pendurada' nas contas.
G1 faz série de reportagens com dicas para se livrar de dívidas.
Todo mês, R$ 1.500 saem das contas da professora Denise Pereira, de 50 anos, para pagar o valor mínimo das faturas de sete cartões de crédito, que hoje ela afirma cultivar como uma “dívida eterna”. “Não sei para quê que me deram tanto crédito. Eu não pedia, eles que me davam!”
(Série Endividados: num momento em que economistas alertam para alta do endividamento da população, o G1 publicou nesta semana uma série de reportagens sobre pessoas endividadas e dicas para usar melhor o crédito. Veja abaixo todos os exemplos.)
Casada e morando com três filhos, de 23, 25 e 25 anos, Denise conta com o salário de professora de escola pública, de R$ 2.200, mais R$ 1.100 de aposentadoria, para tentar dar fim a uma dívida de mais de R$ 9.000 com as faturas em aberto. Sem conseguir pagar mais do que o valor mínimo, ela contabiliza juros, que aumentam a mesma dívida todos os meses.
“Faço bordado, tricô, vendo cosméticos. Mas desde que contraí essa dívida, há mais de ano, perdi a empregada, não viajo mais”, conta. “Não renegociei. Nem sei direito quanto ainda estou devendo.”
A ajuda vem do marido, que não sabia do problema até ficar desempregado e hoje tem um negócio próprio. “Foi muito difícil contar, ele fazia até ideia, porque via as compras, mas não achava que fosse tanto”.
O casal ainda paga R$ 700 de aluguel, R$ 1.700 das parcelas de dois automóveis todo mês, faz supermercado para cinco pessoas e arca com empréstimos consignados a que ela recorreu para tentar reverter a dívida dos cartões.
O valor devido já chegou a quase R$ 12 mil em doze faturas. “Fora os cartões de lojas de departamento. Hoje sobraram sete. O povo vai com a minha cara, e agora estou suando para não deixar o nome sujar.”
A professora conta que gastava quase sempre com roupas e sapatos. “Eu tinha crédito. Eu comprava coisas, presentes para os netos, filha, filho. Ofereciam cartão, eu aceitava. E comecei gastar desenfreadamente, tive crise de pânico. Quando o negócio estourou, que todo mundo viu que eu estava abusando, começaram a me policiar. Eu ficava mordida.”
“Na realidade, eu sempre soube que os juros eram altíssimos, mas como eu não estava muito bem, tive problemas psicológicos, comecei a ignorar certas coisas. Queria ter a felicidade do momento, que era comprar. Fiquei compulsiva, não queria saber preço não”, afirma.
Ainda segundo Denise, a família não precisou se desfazer dos bens, mas a dívida causou outras. Sem os cartões, ela recorreu ao cheque especial e ao crédito consignado. “A gente perde até um pouco da dignidade. Já tinha passado por dificuldades, mas não por minha culpa. Eu me senti muito mal. Dava impressão de que tudo que se passava a culpa era minha. Não durmo. Agora já está melhorando. Faz três meses que eu estou em abstinência de compras. Graças a Deus”, diz. “Não aconselho a ninguém fazer o que eu fiz.”
série 'endividados'
Erros
“Ela está rolando uma dívida no cartão de crédito, que é a pior coisa que você pode fazer quando está endividada. É a mais cara que tem”, alerta a superintendente de investimentos do Santander, Sinara Polycarpo.
“Ela está rolando uma dívida no cartão de crédito, que é a pior coisa que você pode fazer quando está endividada. É a mais cara que tem”, alerta a superintendente de investimentos do Santander, Sinara Polycarpo.
Já na opinião de Renata Reis, técnica em defesa do consumidor do Procon-SP, “o consumidor não tem a real noção de quanto o débito no cartão de crédito pode alcançar se ele deixar de pagar ou só pagar os valores mínimos”. “Sem dizer que hoje essa oferta maciça dificulta o consumidor se desvincular daquela dívida”, afirma.
Para Sinara, do Santander, as compras por impulso são comuns entre mulheres mães de família, que muitas vezes assumem as “pequenas despesas” da casa e usam a renda para cobrir necessidades de toda a família.
“A mulher muitas vezes é mais envolvida com a casa e fica exposta a impulsos de compra, como enxoval da casa, presente pro filho, roupas para todos. A renda dela acaba sendo consumida em coisas pra casa e ela negligencia o planejamento financeiro dela”, diz.
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E agora?
A saída para a professora, avalia Sinara, é procurar imediatamente o gerente do seu banco e negociar um crédito pessoal, para transformar a dívida descontrolada em parcelas com juros mais baixos que os do cartão.
A saída para a professora, avalia Sinara, é procurar imediatamente o gerente do seu banco e negociar um crédito pessoal, para transformar a dívida descontrolada em parcelas com juros mais baixos que os do cartão.
Supondo que ela pague 15% ao mês atualmente, são R$ 1.350 só de juros todos os meses.
A especialista recomenda que Denise procure um empréstimo pessoal de R$ 9 mil com juros de 6%, “fáceis de encontrar no mercado”, segundo ela. Assim, a ela pagaria parcelas de R$ 615,55, “bem mais palatáveis que os R$ 1.500”, e colocaria fim ao descontrole.
Depois de quitar a dívida, o segundo passo é se desapegar de tantos cartões de crédito e optar por apenas um. “Ela tem que cancelar pelo menos seis”, recomenda Sinara, que diz que o cartão pode ser útil se for utilizado com sabedoria. “Um cartão de crédito é útil, porque você concentra todas as compras as nele e sabe onde foi o dinheiro que você gastou. Desde que você pague a fatura inteira”, diz.
Simultaneamente a essas medidas, é importante que a professora reavalie seus hábitos de consumo. “Ela precisa mesmo de dois carros? Será que não é melhor vender um, ajudar a quitar as dívidas e reduzir despesas?”
Ainda de acordo com a especialista, uma mudança de comportamento financeiro só funciona se for bem conversada e articulada com toda a família. “Tem que conversar com os filhos, com o marido, e ver o que cada um pode fazer para reduzir gastos”, diz.