No primeiro balanço de sua gestão, Camilo Santana aponta o diálogo como principal marca. O governador Camilo Santana (PT) completa hoje exatos 100 dias no cargo. É indiscutível que um novo estilo político e pessoal chegou com ele ao Palácio da Abolição, mesmo que na conversa de aproximadamente uma hora com editores do O POVO, na última quarta-feira, em seu gabinete, o tempo todo procurasse reafirmar sua condição de continuador da gestão Cid Gomes (Pros).
Camilo se sente à vontade no cargo, apesar de administrar um quadro de crise que o levou a adotar medidas para manter as finanças estaduais sob controle. Na principal deles, determinou corte de 20% a 25% nos gastos de custeio, tudo, alega, para manter os níveis de investimento. Conforme seus dados, inclusive, o Ceará foi um dos poucos estados que conseguiu investir nos primeiros dois meses de 2015 mais do que registrara em igual período do ano passado.
Outra informação importante do governador durante a entrevista: vai adquirir modelos de veículos mais simples para a Polícia Militar, pondo fim à era das Hillux como viatura padrão no Ceará. Confira a seguir os trechos principais:
O POVO - Governador, em 100 dias de governo o senhor foi surpreendido por alguma situação que teve de enfrentar no cargo?
Camilo Santana - Na realidade, não direi que houve surpresas, até porque já conhecia um pouco a própria estrutura do governo, tinha sido secretário (de Desenvolvimento Agrário e depois de Cidades) durante quase sete anos. O que posso dizer é que nesses primeiros meses, dentro daquilo que, posso dizer assim, não esperava, enfrentei dificuldades relacionadas ao contexto nacional. Por exemplo, a decisão da Petrobras de suspender o projeto da refinaria em nosso Estado, que repudiei, que foi desonrosa com o Ceará, com o povo cearense, talvez tenha sido o que nos pegou de surpresa, logo no início de gestão. Especialmente porque pouco tempo antes eu tinha estado com a presidenta (Dilma Rousseff, do PT) e ela tinha garantido a vinda da refinaria. Ela não esteve na minha campanha, você sabe, o presidente Lula também não, e posteriormente, na minha ida até Brasília, a convite dela, as duas únicas coisas que lhe pedi foi garantir durante meu governo a conclusão da primeira etapa do Cinturão das Águas, e iniciar a segunda, e a questão da refinaria, um sonho de muito tempo dos cearenses. Então, minha grande surpresa foi, depois de pouco tempo de assumir o governo receber, pela imprensa (risos), a notícia dessa decisão. Compreendo o cenário internacional, a queda do preço do petróleo, a crise que a Petrobras enfrenta com os problemas da operação Lava Jato, mas, como somos parceiros da Petrobras, e como o projeto vinha sendo feito de maneira muito efetiva, através do diálogo, com coisas concretas, a forma como tudo se deu nos deixou um pouco surpresos.
OP - Numa perspectiva de futuro, projetando o longo tempo que ainda resta de mandato para o senhor, em que pé o projeto da refinaria se encontra? Dá ainda para lutar por ele, o cearense deve esquecê-lo..
Camilo - Tenho me restringido a não tratar essa questão publicamente. Estou tratando internamente e só gostaria de tratar de maneira pública quando tivesse algo, mas pode ficar certo que estou usando todas minhas forças e energias para garantir que esse empreendimento venha para o Ceará. De forma estratégica, porém, estou me resguardando porque não adianta mais a gente ficar com suposições.
OP - O senhor fala de refinaria de Petrobras ou refinaria de outro player?
Camilo - Pode ser de várias alternativas, mas, claro, qualquer delas que a gente busque precisa passar por uma discussão com a Petrobras, que domina o mercado. Apesar de, na prática, não existir um monopólio no Brasil.
OP - E aquela conta que aponta o volume de recursos que o Ceará investiu em função de um empreendimento que não se efetivou? Como fica a cobrança daquela conta?
Camilo - Repito: estão sendo tomadas todas as providências, mas meu desejo é de que encontremos um entendimento e para isso estamos vendo todas as alternativas. Não quero tornar nada público agora, mas estou trabalhando muito nesse sentido. Até estrategicamente, acho, é importante trabalhar isso sem muito alarde.
OP - Voltando aos 100 dias de governador, o senhor encontrou uma situação muito tensa na área militar, especialmente com as lideranças do setor. O esforço de aproximação, de abertura de diálogo, pode ser apontado como um dos destaques de sua ação no período, especialmente porque há alguns resultados aparentes. O clima parece mais calmo.
Camilo - Assumi alguns compromissos durante a campanha de que iria trazer o problema da segurança pública pra mim, pessoalmente. Claro que o secretário da área tem seu papel, mas iria construir, que é o que considero que estamos fazendo, o Pacto pelo Ceará Pacífico, até já gostaria de ter apresentado ele. É que quero fazer uma coisa consolidada, porque compreendemos que o problema da segurança pública não se resolverá apenas com polícia. Temos hoje, por exemplo, uma parceria com o Fórum Nacional de Segurança Pública, aconteceram várias reuniões, uma delas aqui em Fortaleza levou o dia todo, havia sete pessoas de fora, do Rio de Janeiro, Minas Gerais, o próprio responsável pela implantação do Pacto pela Vida em Pernambuco, fomos conhecer experiências, tudo na perspectiva de buscar ajuda na construção desse pacto no Ceará. Já tive reuniões com Tribunal de Justiça, Ministério Público, queremos integrar todas as áreas para construir uma proposta com a sociedade, me reuni, já, com os Conselhos Comunitários de Defesa da Região Metropolitana, cujo envolvimento é importante porque são elas as que sentem o problema da insegurança no seu dia-a-dia. A própria vice-governadora, professora Isolda Cela, está à frente, se dispôs a coordenar esse Pacto pelo Ceará Pacífico e espero que em breve, ainda esse mês, estejamos apresentando o formato, como ele deve funcionar. Paralelamente a isso, temos trabalhado com a área da segurança pública e considero que era, e é, fundamental o diálogo. Era fundamental abrir um canal forte de diálogo com a área e é o que temos procurado fazer...
OP - Com as lideranças?
Camilo - Com as lideranças, com as entidades de representação, dos praças e outros mais, e pretendo agora no dia 14, que vai ser a formatura da nova turma da Polícia Militar, quase mil homens, convoquei mais 500 ainda para 2015, assinar a mensagem que encaminharei à Assembleia com o novo sistema de promoções, uma antiga reivindicação da categoria. Vamos corrigir algumas distorções, havia policiais que passavam 15 anos como soldado e não conseguiam ser promovidos. O papel e a tarefa da policial, segundo considero, é muito difícil, além das dificuldades naturais, da complexidade, do fato de ser árdua, dos riscos, muitas vezes sequer é a questão salarial, mas as pessoas precisam ser motivadas, estimuladas, para cumprir seu trabalho. Acho que por conta desse diálogo, desse trabalho, há uma outra motivação, é um diálogo sincero e franco. Ao longo dos três meses fui uma vez por mês a uma reunião na Secretaria, com todo o comando, fui em janeiro, em fevereiro e fui em março. Tivemos dois meses de resultados positivos, até me surpreendeu, com a redução de 50 por cento dos homicídios na Região Metropolitana no mês de março, embora saiba que ainda é muito pouco diante dos elevados índices do Ceará, mas já representa um avanço. Nós vamos lançar agora, outro compromisso que assumi em campanha, um projeto de ampliação do Raio, estamos treinando as equipes do Cariri, estou licitando as motos, equipamentos. Pretendo implantar 12 equipes na região em julho, durante a festa de exposição do Crato, e haverá outras 8 na região Norte, no mês de outubro. Todas as áreas de integração terão equipes, conforme compromissos que assumi, há programação para Quixadá e Russas, até chegarmos a 60 equipes em todo o Interior. Hoje não há nenhuma. Até junho teremos implantados os primeiros batalhões de divisas, na divisa com Pernambuco e na divisa com Rio Grande do Norte, as mais complicadas que temos.
OP - O senhor admite que a mudança de estilo pessoal do governador, em relação ao seu antecessor Cid Gomes, ajudou na reabertura do diálogo?
Camilo – O que acho é que nenhum outro governador investiu tanto nas melhorias de trabalho na segurança pública do Ceará quanto o governador Cid (Gomes). Aliás, o próprio secretário atual de Segurança Pública, quando o convidei, já com experiências de superintendente da Polícia Federal no Mato Grosso, no Rio de Janeiro, se disse impressionado com a estrutura que o Estado tinha na área de segurança. A qualidade das delegacias, os carros, helicópteros, então, acho que diante dos problemas que o governo passado teve com a categoria o que tenho tentado fazer é quebrar um pouco essa relação que se tornou difícil. Cada um tem seu estilo, repito, e o meu estilo é de muito diálogo, de abertura, de ouvir, claro que respeitando a hierarquia, a disciplina, que precisa existir na segurança pública. Também está prevista na área a reformulação do Ronda, as primeiras mudanças serão implementadas até julho em Fortaleza, e queremos interiorizar o Ciopaer, começando pela região Norte e pelo Cariri.
OP – Investiu-se muito em tecnologia, equipamentos, e esqueceu-se de investir no que o senhor acabou de falar, na motivação da tropa?
Camilo – Olha, o governo fez concurso, contratou, capacitou, investiu na escola de formação de policiais. Na verdade, eu não gostaria de falar muito no passado, acho que o importante é olhar para o futuro (risos).
OP – O senhor herdou...
Camilo – Todo mundo sabe que houve um problema, houve uma greve.
OP – O senhor considera greve, não considera motim?
Camilo – Vamos considerar uma paralisação da polícia, o que é legalmente proibida, mas não estou querendo olhar pra trás, quero olhar para frente.
OP – Olhando pra frente, então, o senhor herdou uma série de modelos. Por exemplo, na segurança, viaturas 4x4, determinado tipo de padrão, são modelos. Quando é que será o momento, na sua avaliação, em que a sua marca pessoal se fará mais presente?
Camilo – Primeiro, quero muito que minha marca não seja simplesmente essa de um equipamento etc, mas que seja o esforço de diálogo, de um governo sempre aberto a construir junto com a sociedade, estamos, afinal, a serviço dela. Não adianta o governador tentar tirar de sua cabeça uma solução para a segurança sem ouvir aquele que sofre no dia-a-dia o assalto em seu bairro, na sua rua etc. Quanto ao caso específico dos carros da polícia, vou também comprar carros mais simples para a polícia. Acho que para determinadas áreas não há necessidade de um carro tão... Claro que para determinadas áreas, por exemplo, a Polícia Rodoviária precisa de carros velozes, esses batalhões de divisas precisarão de carros 4x4 para enfrentar estradas vicinais, mas para algumas áreas aqui de Fortaleza acho que não há necessidade de carro mais potente. Isso não sou só eu, é uma avaliação...
OP – Já existe um modelo?
Camilo – Não. É necessário apenas que seja um carro mais simples, menor. Agora, não acho que isso seja o ponto mais... tanto que isso ficou polêmico aqui no Ceará, mas São Paulo passou a comprar carros no mesmo padrão, Minas Gerais também.
OP – E a marca?
Camilo – A marca? Não posso...
OP – Não, a marca administrativa, a marca de governo. O senhor acha cedo para isso?
Camilo – É cedo, é cedo. Primeiro, considero que meu governo é um governo de continuidade, fui eleito, apoiado, pelo ex-governador (Cid Gomes) por quem tenho grande carinho, respeito, consideração pelo trabalho que realizou durante oito anos no Ceará. O Ceará deu um salto em várias áreas importantes e claro que é um novo governo, no qual os primeiros 100 dias serviram para se fazer uma reestruturação, de planejar, de fazer os cortes necessários. Para se ter uma ideia, estou cortando de 20% a 25% nos gastos de custeio do Estado, sem tentar prejudicar os serviços essenciais da população. Mesmo assim, não deixei de aumentar os investimentos, procurando economizar os recursos do tesouro estadual e buscando gastar mais de financiamentos, de convênios federais. O resultado é que o Governo do Ceará nos meses de janeiro e fevereiro, comparados a janeiro e fevereiro de 2014, aumentou os investimentos. Foram aproximadamente R$ 128 milhões agora contra cerca de R$ 98 milhões no ano passado. São Paulo reduziu os investimentos, para você ter uma ideia Minas Gerais foi de R$ 300 milhões para R$ 18 milhões em investimentos.
OP – Esse corte no custeio gerou reações na área da saúde, não é? Muitos médicos reclamam de problemas no atendimento lá na ponta etc. O senhor admite o impacto na qualidade do serviço?
Camilo – Hoje, o aumento do custeio na área da saúde é muito alto no Ceará. Para se ter uma ideia, de um ano para o outro aumentamos os gastos do setor em R$ 500 milhões do tesouro estadual, num cenário em que o Fundo de Participação do Estado (FPE) diminuiu, em que estamos fazendo um grande esforço para manter nominalmente, pelo menos, a arrecadação tributária, com reajustes salariais que concedemos etc, ou seja, os ajustes são necessários. É só ver onde é possível reduzir os custos de algumas atividades, otimizar mais, o que sempre começa a criar reações, o que é natural. As cooperativas de médicos, para citar um exemplo, estão entre as maiores despesas que o Estado tem, o que pode determinar o que os médicos estão falando. Qual foi a decisão tomada aqui? Foi pedir informações sobre os salários dos médicos, quantos plantões estão dando, como se dá o controle, é preciso olhar para onde está se gastando mais. Ver se é possível comprar medicamentos mais baratos e não nego que há dificuldades na área da saúde, especialmente porque o Governo Federal apresenta dificuldade para repassar recursos para os novos equipamentos que temos no setor. O Governo Federal também está no seu momento de ajustes e precisamos nos adaptar a essa nova realidade. O compromisso que tenho é o de melhorar a qualidade do atendimento ao cearense, mas, para isso, preciso preparar o Estado para criar essas condições.
OP – O senhor falou da forte queda nos investimentos em Minas Gerais, estado onde a oposição saiu vencedora. No caso do Ceará, há dificuldades impostas pelo fato de ser uma continuação da gestão anterior quando se tem que justificar cortes ou mudanças?
Camilo – Não, não. O próprio Cid fez isso quando da passagem do primeiro para o segundo governo, eu era secretário.
OP – Isso não tem inibido nenhuma ação do senhor, então?
Camilo – Não. Pelo contrário, é natural que, em oito anos de governo, apareça a necessidade de fazer ajustes. E o momento é esse.
OP – Mesmo diante de dados como o que o senhor anunciou sobre janeiro e fevereiro, quando, mesmo em meio a uma crise, os investimentos aumentaram quando comparados ao ano anterior?
Camilo – Qual foi a minha estratégia? Determinei foco em gastar os recursos dos convênios, dos empréstimos feitos junto ao Banco Mundial e ao Banco Interamericano, e tentar economizar o dinheiro do tesouro estadual. Claro que o natural é que o Estado, esse ano, diminua seus investimentos, mas o dado de que dispomos mostra que não aconteceu e, ao contrário, até conseguimos aumentá-los. Foi um dado importante e que resultou do esforço dos secretários, focando nos gastos que não fosse fonte do tesouro.
OP – Quanto ainda a essa marca do diálogo...
Camilo – Tudo isso é importante para manter a economia aquecida, especialmente diante de um momento de seca no Ceará e de um quadro de retração na economia.
OP – Sobre o diálogo, como dizia, outra área na qual parecia haver um esgarçamento nas conversas era com o pessoal da Uece. É outro caso no qual a mudança de governador, e de estilo, pode ter ajudado no encaminhamento da solução, inclusive porque já existem resultados.
Camilo – Todo governo que se inicia há um crédito natural. A questão, repito, é que vou, durante todo o mandato, sempre irei procurar esse diálogo franco e aberto. Foi o que fiz com eles, disse qual era a realidade do Estado, mostrei até onde poderia ir. O que eles queriam era muito mais, claro, mas mostramos as nossas responsabilidades, que não existe apenas a área das universidades para o Estado cuidar. Acho que deve ser sempre esse o caminho e será o que pretendo trilhar durante os quatro anos, procurando ouvir, colocar as posições muito claras, abrir os números quando necessário, que é que tenho feito com os professores e o que fiz com os agentes de saúde. É um compromisso justo, estamos agora fazendo uma parceria para que o agente de saúde passe a ter um novo olhar e um novo papel. A ideia é fazer com que passem por uma nova capacitação e se tornem aptos a olhar, por exemplo, para a questão das drogas, então, ao mesmo tempo em que estamos melhorando as condições de trabalho da categoria nos preocupamos em estabelecer parcerias para conseguirmos melhorar o resultado.
OP – O que o senhor vislumbra de novidade, de luz, para que o Estado seja inovador, em diversas áreas. Falo de captar investimentos, de lançar ideias que virem referência, como o programa Agentes de Saúde que nasceu no Ceará, do Alfabetização na Idade Certa, enfim, o Estado foi fonte de boas ideias que deram certo para o Brasil. O que o senhor, que lidera um time de secretários, pensa, tem em mente, para sacudir a equipe no sentido de fazê-la gerar alguma inovação?
Camilo – O gestor, muitas vezes, é natural nas pessoas, até, se preocupa muitas vezes em deixar uma marca. Tenho em mente duas coisas importantes: primeiro que é fundamental concluir aquilo que se começou. Pretendo, por isso, concluir o VLT até o início do próximo ano; pretendo concluir o primeiro trecho do Cinturão das Águas até o ano que vem e iniciar o segundo trecho; há uma série de obras estruturais importantes no Ceará, o Anel Viário dentre elas; há um momento especial quanto à Siderúrgica, uma das poucas do tipo em construção no mundo, hoje, e que dará uma dinâmica nova à economia do Ceará. Estou forçando para levar ao Interior o pólo metalmecânico que ela fará surgir, já tive duas reuniões com o Ciro (Ferreira Gomes) sobre a Transnordestina, que deve ficar pronta até 2017 e que será o grande eixo de interiorização da industrialização do Ceará a partir da siderúrgica. O que quero nesses quatro anos, com muita objetividade, é contribuir para que construir a infraestrutura de que precisa o Ceará para o futuro. O Ceará tem muitas coisas em andamento, mas pensar na infraestrutura e garantir a transposição (do rio São Francisco), obra que é responsabilidade do governo federal, que já visitei três vezes desde quando tomei posse, estou preocupado porque o Cinturão das Águas só vai funcionar se a transposição chegar. O problema é que algumas das empresas das obras da transposição se encontram envolvidas com essas investigações relacionadas à Petrobras, algumas já solicitaram recuperação judicial, parece...
OP – A propósito disso, o que o senhor pretende fazer em relação às obras paradas ou em ritmo muito lento. É um grande problema, não é?
Camilo – Acredito que teremos um primeiro semestre de muitas dificuldades. As obras não estão paralisadas, o problema diz respeito a algumas empresas que vivem do mercado, que precisam de dinheiro para a própria manutenção da capital de giro, mas que diante das investigações da operação Lava Jato viram os bancos fecharem as portas. É tanto que a prioridade do governo federal foi não parar as obras do São Francisco, está sendo dada prioridade à obra do ponto de vista do pagamento. O problema do São Francisco, hoje, já não está nem na questão do pagamento, diante da determinação da presidenta Dilma, mas é que as empresas contratadas para fazer a obra que estão passando por grande dificuldade.
OP – O senhor já falou algumas vezes, de passagem, do problema da seca que já enfrenta no começo do governo. Uma de suas ações nos 100 dias foi a apresentação de um Plano de Convivência com a Seca. O que ele traz de novidade em relação a vários outros que antes já foram anunciados no Ceará?
Camilo – O que fiz, na verdade, foi criar um grupo e levar sua coordenação para a Secretaria de Planejamento, que tem o papel de olhar o Estado como um todo. Esse grupo será permanente ao longo dos quatro anos, faça chuva ou faça sol (risos), tendo como missão monitorar sistematicamente a situação do Estado. Aquele mesmo trabalho que já é feito hoje em nossos açudes, pela Cogerh. O Plano é mais no sentido de que as pessoas possam acompanhar, conhecer, sugerir, permitindo-se que a gente possa adotar as medidas necessárias. Por exemplo, lá no Plano tem as medidas estruturantes, as ações que vão resolver definitivamente, como o Cinturão das Águas, a própria Transposição, a duplicação do Eixão das Águas, é pensar num horizonte de dez, 20 anos pra frente. As emergenciais são aquelas de que as pessoas dependem, de imediato, para beber, que são apenas as conhecidas: carro-pipa, poço e adutoras. Durante esses dias temos buscado construir, e coordenei pessoalmente esse esforço, um plano que precisará ser atualizado constantemente. Hoje a situação é uma, mês que vem pode ser outra. Até deu uma melhorada nos últimos dias, pouco, mas melhorou, pelo menos para a agricultura. O que não conseguimos ainda foi acumular água nos nossos reservatórios. O plano vai monitorar permanentemente a situação hídrica do Estado, vai criar algumas ações de alerta, de orientação, educativas, queremos criar uma campanha sobre uso responsável da água, estou construindo com o prefeito Roberto Cláudio algumas ações para que novos empreendimentos em Fortaleza já olhem para a questão, para o reuso, o próprio setor industrial comece a mudar um pouco a cultura, o Plano vem mais no sentido de orientar, de organizar e de construir diálogos com setores. Fiz aquele leilão reverso lá na Assembleia, que eu botei todas as máquinas do Estado nos centros urbanos e nos municípios. Ipaporanga e Poranga que estavam sem água, São Luís do Curu, Crateús, que tinha problema com água, cavei lá 12 poços para melhorar a situação. Deixei todas as máquinas do Estado nas áreas urbanas e fiz uma licitação, um leilão reverso, para a perfuração de poços nas áreas rurais, priorizando o nível de criticidade de cada município e instalando poços cavados, porque isso é outro problema. Nós temos ai mais de mil poços cavados sem estarem instalados. Então vamos primeiro instalar o que está pronto. Aí vem outra dificuldade, a Coelce para instalar esses poços e ligar esses poços. Estamos construindo a alternativa de fazer ligações de poços, dependendo do tamanho do sistema, com energia solar. Já estamos com uma equipe montando tudo para ver se consegue. Porque tem poço que não só a demora para ligar essa energia, como a distância, muitas vezes inviabiliza. Tem que haver esse permanente olhar. Para você ter uma ideia, nós só conseguimos ligar a energia da adutora de Canindé, que foi inaugurada pelo Cid, em dezembro, agora em março. Estava funcionando com gerador a óleo diesel.
OP - A Coelce é um problema?
Camilo - Eu já tive, aqui, várias reuniões com o presidente da Coelce justamente para priorizar as obras e os projetos para o Ceará. Eu não posso manter uma adutora de Crateús com gerador, porque é R$ 1,5 milhão por mês. Então eu preciso ligar as estações de bombeamento; já ligaram duas, só falta ligar mais uma. A adutora de Canindé era para funcionar, por dia, era R$ 9 mil em diesel. É claro que se levanta essa questão na mesa de planejamento, para você ter prazo, mas a gente precisa, nesse momento, ter mais agilidade para essas questões mais emergenciais.
OP - Nesses seus 100 primeiros dias a relação com a Assembleia, e o senhor é um egresso do parlamento, tem enfrentado, se a gente comparar com o período do Cid Gomes, uma oposição numericamente maior e parece que mais disposta. Essa é uma contabilidade política que o senhor já tinha feito? Já esperava uma oposição? O senhor já tem até, inclusive, pedido de CPI tramitando.
Camilo - Eu convidei todos os deputados, só não recebi dois, Renato Roseno (Psol) e Danniel Oliveira (PMDB, sobrinho do senador Eunício Oliveira) que não vieram. O Danniel estava viajando para os Estados Unidos. Eu coloquei que quero construir uma relação de diálogo. Já estive na Assembleia para apresentar o plano contra a seca, já estive na Assembleia depois, para o leilão. Ou seja, em três meses já fui quatro vezes, considerando a posse. E o que eu coloquei sempre é que é importante ter oposição, é bom para a democracia. E eu sou uma pessoa que gosta de ouvir as críticas, os erros. Até para a gente corrigir. O que eu questionei e coloquei para eles é que eu gostaria que fosse uma oposição responsável e construtiva.
OP - E tem sido?
Camilo - Eu não concordo com a necessidade de quererem fazer uma CPI, acho que essa questão é muito mais política. Eu coloquei a disposição, mandei quatro secretários para lá, quais informações mais que a Assembleia quer? Qual o papel da CPI, não é ter informações? Então ta ai, quatro secretários com as informações abertas com o que vocês quiserem saber. Se vocês quiserem que o governador vá lá, eu vou lá. Qual a necessidade então? Se tiver alguma coisa errada, eu serei o primeiro que mandarei apurar, pode ficar certo disso. Se tiver alguma irregularidade eu serei o primeiro a mandar apurar, doa a quem doer em relação a isso, então eu tenho mantido uma relação e quero continuar mantendo uma relação com a Assembleia com muito respeito à autonomia. Mas quero construir uma relação construtiva e propositiva com o povo do Ceará. E no momento que deputados considerarem que eu esteja equivocado, eu estarei sempre aberto para ouvir as críticas e as orientações e recomendações. Claro que sempre enxergando que o Estado tem os seus limites.
OP - O que mudou na sua vida pessoal até chegar ao Palácio da Abolição?
Camilo - Só a cobrança dos meus meninos e da minha mulher (risos). Já era cobrado, mas agora. Eu tenho uma coisa que eu aprendi muito com o meu pai, que o poder é passageiro, eu propus ser sempre a mesma pessoa, porque daqui a quatro anos eu voltarei para a minha vida normal. Então eu considero que aqui eu estou com uma missão muito feliz, muito honrado em poder ajudar o cearense e é essa marca que eu quero deixar. O que mudou foi a cobrança, muita ausência em casa. E tenho dito à minha mulher: são estes primeiros meses. Todo mês vai piorando, ai todo mês vai piorando (risos). Mas eu acho que a família é uma coisa muito importante. E como eu tenho dois meninos muito novos, tenho sempre procurado deixar o domingo para ficar com eles, dá uma passeada, ir a uma serra com eles, quando eu não viajo. A responsabilidade também é muito forte. A gente sente o peso da responsabilidade.
OP - E na questão da privacidade, a família por exemplo, fica submetida a uma série de regramentos.
Camilo - E sempre acompanhado, só estou sozinho quando vai ao banheiro. (risos)
OP - O senhor está morando na residência oficial?
Camilo - Não, eu ainda estou na minha casa.
OP - Mas vai passar para lá ?
Camilo - Eu, inicialmente não queria, mas assim, a gente cria um desconforto para os vizinhos no prédio, e às vezes também para receber as pessoas em casa, então a decisão foi ir para a residência.
OP - O senhor vai quando?
Camilo - É, eu acredito que agora, em maio. Tem muito cupim ainda, alguns vazamentos, a gente está fazendo um muro porque com a chuva, deu alguns problemas, e a gente está fazendo alguns ajustes. Só não gostei muito porque eu soube que tem muriçoca, e eu detesto muriçoca (risos). No apartamento é mais alto, não tem muriçoca. Eu sou alérgico.
Bastidores
Camilo Santana, que mantém no gabinete um conjunto de porta-retratos nos quais aparece em poses familiares com a mulher, Onélia, e os dois filhos pequenos, continua morando em seu apartamento, mas muda para a Residência Oficial, ao lado do Palácio da Abolição, em maio próximo. Segundo diz, entre outras razões, para parar de incomodar os vizinhos, com a movimentação pouco comum de uma agenda de governador.
Eudoro Santana, o pai ex-deputado estadual e hoje integrante da equipe do prefeito Roberto Cláudio, é o “primeiro conselheiro” do governador. Aliás, Camilo admite que chegou a pensar na possibilidade de convidá-lo para equipe de secretários. “Avaliamos que era melhor não”, conclui, acrescentando que Eudoro permanece ajudando muito sua gestão de outra forma. “Ouço bastante seus conselhos e sugestões”, afirma.
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